Médicos avaliam que registros de curetagem maior que abortamento por lei refletem ausência de apoio
O número de mulheres atendidas após aborto nos hospitais e maternidades é cem vezes maior do que os procedimentos realizados dentro da lei. Os dados são do Sistema Único de Saúde (SUS) e foram levantados pela ONG Aos Fatos, que comparou os registros de curetagens (inclui abortamentos espontâneos e provocados) realizadas na rede pública aos de interrupções na gravidez com autorização legal. Em 2014, por exemplo, foram 187 mil contra 1,6 mil, respectivamente.
Nos formulários do SUS não há a especificação para diferenciar a causa do abortamento – se a curetagem está sendo feita por aborto espontâneo ou provocado. A Folha de Pernambuco ouviu médicos sobre os dados. E para eles, a disparidade dos números entre os dois procedimentos constata o vazio na lei e a falta de políticas de contracepção, levando a necessidade de rediscutir a criminalização de quem interrompe a gestação por estar à margem do que é legal.
Cleiton Lima/Arquivo Folha
Arthur de Souza/Folha de Pernambuco
Para Silveira, há muitas mulheres que não dizem o motivo real do aborto porque sabem que é crime. “Mesmo com o sigilo médico elas ficam retraídas. Às vezes, conseguimos detectar pelo contexto, pela história e pelos exames, quando encontramos, por exemplo, restos de comprimidos na vagina. Mas não estamos aqui para demonizar ninguém, mas sim para oferecer assistência”, afirma o médico.
Riscos
O aborto clandestino, alerta o ginecologista e obstetra Aurélio Costa, pode levar a mulher a óbito. Também pode ocasionar perda do útero e esterilidade. No cenário atual, quem engravida e não está acobertada por lei para fazer o abortamento recorre a duas alternativas – remédios, como o Cytotec, ou clínicas clandestinas. “O risco é muito elevado. Além de morte, a mulher pode ter uma infecção generalizada, hemorragia e perder o útero por perfuração”, alerta Costa. Ele ressalta que as clínicas clandestinas, normalmente, são compostas por curiosos no assunto que desviam material de hospitais e utilizam ferramentas cortantes sem a higiene devida.
Abortivos fáceis na web
Embora ilegal, conseguir informações sobre métodos abortivos e o procedimento para usá-los não requer esforço. Na internet, centenas de páginas dão o “passo a passo”. Oferecem abortivos e os relacionam como eficazes e baratos. A Folha de Pernambuco obteve retorno de alguns.
Em um deles, por meio do sitel www.abortonatural. webcindario.com, alguém ofereceu duas receitas de chás, com “eficácia de 99%”. As receitas custam R$ 30 e as ervas para fazê-las “podem ser encontradas em qualquer casa especializada”. “Os chás inibbem os hormônios ovarianos, impedem os embriões de se manterem fixados ao útero. Mas é preciso saber quais funcionam e a dose”, informou.
Também por email veio a resposta de um endereço na internet de uma clínica abortiva. Alguém identificada como Sabrina Nóbrega respondeu que o espaço foi denunciado e fechado. Mas sugeriu um contato de um terceiro que vende Cytotec para “não deixar você na mão”. Não adiantou o valor. Descreveu as vantagens e como usá-lo para “ter um aborto bem-sucedido”.
Proibido no Brasil desde 2005, após a descoberta de sua ação abortiva, o Cytotec era originalmente utilizado para o tratamento de úlceras. Mesmo ilegal, na rede há quem ofereça a embalagem com quatro comprimidos por R$ 500.
Às vezes nem é preciso recorrer a web. Uma administradora recifense de 36 anos estava com duas semanas de gravidez quando comprou a medicação em uma farmácia indicada por uma amiga. Tomou seguindo a orientação do próprio vendedor.
Ao começar a perder sangue e sentir cólicas, procurou ajuda médica e foi submetida a uma curetagem. “Foi um risco. Mas, há cinco anos, eu não estava preparada para ser mãe e tive que arriscar minha vida”
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